Dezembro de novo. Cada vez mais r�pido, � o que todo mundo diz. Hoje eu moro em uma casa que tem TV. E por causa do servidor da MetaReciclagem, tem tamb�m cabo. E quando eu come�o a escrever esse texto, t� passando um filme que eu j� vi. Brilho eterno de uma mente sem lembran�as. Jim Carrey � ator, no fim das contas. Mas isso � outro assunto. Esse texto � uma tentativa de falar sobre esse ano que daqui a poucas voltas ter� acabado.
Muita coisa mudou em 2005. Pela primeira vez na vida, eu estava vivendo de projetos que me d�o plena satisfa��o: os pontos de cultura e, de maneira diagonal, a MetaReciclagem. Os pontos de cultura, apesar de todos os progn�sticos (e apesar do futuro hoje nebuloso) andaram pra frente. Mais de uma centena de organiza��es por todo o Brasil fecharam conv�nio com o Minist�rio da Cultura, quase uma d�zia de oficinas regionais foram realizadas, em parcerias locais, com eles. Muita gente nova chegando na boa e velha rede, mudando tudo, brigando, fazendo as mesmas perguntas que eu fazia h� alguns anos, levando esporros, trazendo elementos novos. No m�nimo, fizemos uma bela festa. A MetaReciclagem continua seu ritmo, lento e acelerado ao mesmo tempo. Acabamos de receber men��o honrosa no pr�mio Betinho da APC. N�o significa nada pra mim, mas significa alguma coisa pra n�s. Os gringos vieram pra c� e reconheceram algumas coisas que a gente afirmava.
Acima de tudo, eu mudei bastante. Quando o ano come�ou, eu tinha decidido, por poucas influ�ncias, que estava dentro do projeto pontos de cultura, viesse o que viesse. E veio, quatro meses trampando de gra�a, que quase amea�aram a minha primeira grande viagem em muitos anos.
Ainda em janeiro, eu tinha ajudado - pouco - a organizar um bus�o que sa�a de sampa rumo a Porto Alegre, no F�rum Social Mundial, onde montamos o primeiro prot�tipo do Laborat�rio de Conhecimentos Livres. Foi uma experi�ncia maravilhosa, desde a passagem por floripa, levando um bando de howlies na praia, a chegada esperada na minha cidade, a negocia��o de espa�o com os coletivos, a lona que cobria o pavilh�o no meio do acampamento da juventude voando, a r�dio ao lado, aquele mund�o freak em volta, o software livre quebrando - no bom e no mau sentidos. Cigarros campe�o e cerveja n�o me lembro. P�dua desaparecendo nas barracas, Bicarato sempre ali do lado com um c�ncer e uma loira, L�o sempre produzindo, Marcinha e suas joinhas fazendo barulho, Glerm dormindo no ch�o com sua Lucida, Criscabello naquela onda de criscabello, todo mundo, enfim. Especialmente Banto, l�der escondido, sempre fazendo tudo macio e calmo, articulando, ajudando, agitando. E caravana media sana. E Diego, brod�o, e Perna, e todos os expressos taineiros, tudo gente nossa. E fabs, tensa. E pixel mals porque tinha brigado com drica. E visita do ministro, e protesto do CMI, e jam com Expresso 4.11, e Jeff tocando e dan�ando com o Gil. E daqui a pouco era Barlow e Lessig entrevistando a gente. Aqueles caras, sobre cujos projetos a gente comentava, cujos blogues eu lia, entrevistando a gente. Felicidade mesmo. Marcamos uma coisa pro futuro naqueles poucos dias em que nem cheguei a ver minha fam�lia direito. E passamos bem todos os dias e noites, inclusive a �ltima, que foi tensa, boatos de estupros, um quase linchamento, brigadianos querendo segurar a multid�o. Mas movimento coletivo tem isso, prote��o m�tua, todo mundo se sente por perto. Bus�o voltando, mais chegados. Jeff de porre, muitas horas num posto de beira de estrada esperando ele voltar do hospital com glicose na veia. Jean Habib, grande broda, dando aquela for�a, segurando a onda na amizade mesmo, coisa bonita de ver. E sa� do �nibus acabado, n�o durmo em viagens. E todo mundo foi embora. Atiele apareceu, buscando marcinha e seu pessoal. Roberta foi buscar criscabello. E daqui a pouco �ramos s� eu e Bicarato. Tomei um t�xi pra casa, precisava descansar.
Depois � que caiu a ficha de que aquilo tudo tinha sido uma primeira experi�ncia, que seria - e ainda ser� - muitas vezes repetida. Muito depois � que percebi que n�o estou mais necessariamente interessado nisso. Coisas de se operar sempre nos futuros. Mas isso tem a ver com outras coisas, que conto daqui a pouco.
Contrato saiu, virei pesquisador, coisa de doido. Come�amos a trabalhar loucamente. Tudo estava atrasado. Cem centros multim�dia em todo o Brasil? Como vamos implementar? A resposta n�o existia. Na real, ainda n�o existe. Desenhamos naqueles meses um processo, que hoje est� correndo em um ritmo bem diferente do que esper�vamos. E isso � bom e n�o �, ao mesmo tempo. Testamos muita coisa. Erramos em muita coisa. Mas a rede persiste, m�ltipla, n�o t�o constante assim, mas din�mica. Assim que os kits chegassem, far�amos uma oficina nacional interna, com toda a nossa equipe, que come��vamos a montar. Ter�amos trinta implementadores, pessoas parecidas com o Banto e o Jeff. Eu e Ruiz estar�amos em contato direto com essa equipe. Depois, far�amos seis eventos simult�neos em diferentes regi�es do pa�s. A partir da�, os kits seriam distribu�dos e a equipe de trinta pessoas se dividiria em grupos de tr�s, que sairiam percorrendo os pontos de cultura. Grande parte dessa equipe seria composta por membros dos pr�prios pontos, que assim j� estariam fazendo interc�mbios entre si.
O timing de uma licita��o � absurdo. Quando s�o cem kits de equipamentos espec�ficos, divididos em sete lotes diferentes, � uma insanidade. Aprendemos isso no processo. Os kits at� hoje n�o vieram, e tudo o que seguiu foi por conta de boa vontade dos pontos e parceiros.
Bom, seguindo o ano… em abril, fui pro Rio, ficar uns dias no IP://. Impressionante como uma reambienta��o pode mudar a cabe�a. Na verdade, estava l� pra participar de um evento pr�-c�pula, armado pelo serpro, careta que do�a. Porcaria mesmo. Claudio estaria junto, mas teve um piripaque em curitiba e passou uns dias no hospital, junto com Fabs e Tiago. Dei uma oficina naquele esquema esquizofr�nico de sempre, falando sobre tecnologias de colabora��o. O espa�o l� era realmente um modelo de coisa que n�o caberia no meu imagin�rio at� pouco antes. Curti, mesmo. Fiquei hospedado na casa do PR, broda das antigas, que hoje deve estar realmente puto comigo.
Na volta pra sampa, eu sa�a da desterritorializa��o. Depois de cinco anos pulando de habita��o em habita��o, o escrit�rio rolou. Ogum, server antigo, virou Xang�, m�quina boa. Hoje minha guitarra est� pendurada na parede, o amplificador no ch�o. Wi-fi espalhando rede, vint�o � meu cineclube e esta��o gr�fica. Tenho a tal da estrutura de trabalho. Grande for�a do Ricardo, que chegou um dia e falou: tenho telhado e janela, vamo construir a parada?
N�o foi muito tempo depois disso que consegui embarcar na minha trip. Tinha planejado isso desde outubro do ano anterior com a Su, Cau e todo mundo. Juntei uns trocos, vendi o andarilho pro xsl4v3, peguei grana emprestada com um grande broda. Fui para Bratislava, Praga e Dublin tocar atabaque. No meio, uma parada de uns dias em Amsterdam, participar do Incommunicado. Al� e Ariel por l� tamb�m. Fui quase sem grana, no risco total. Boas fotos nessa viagem, transforma��o total e profunda. Passar os dias falando outra l�ngua e vendo paisagens que n�o remetem a nada, apesar dos coment�rios, provocam altera��es no c�rebro. Confer�ncia em Amsterdam, figuras do mundo inteiro, e depois ainda rol� de bike alugada pelos parques da cidade. Mas essa viagem d� um outro texto sozinha. Deixo pra depois. S� menciono o cansa�o. Um m�s inteiro de turismo cansa. Stress com uma ou outra coisa, pouca grana, e daqui a pouco meu olho j� piscava sozinho. Sa� de dublin lotado de coisas alheias. V�o atrasado, Dublin - Amsterdam. Sacode muito aquele trecho. Muito mesmo, como eu nunca tinha visto. Atrasado em Amsterdam, tive cinco minutos pra correr at� o avi�o que me traria de volta a GRU. Entrei no avi�o suado, com sede e fome. Mas at� que viajei bem, comparado com a volta da �ndia.
Voltei num fim de semana, e na segunda j� era reuni�o de todomundo no Piolim. Tr�s dias de trabalho intenso. Tr�s dias de muito caf� e cigarros durante os dias, pouca comida e muita cerveja �s noites e responder emails at� �s tr�s da manh�. Tr�s dias de l�nguas dobradas de inveja aparecendo no canto dos l�bios de uns e outros. No terceiro dia, me despedi do 9s e do Jeff, e quando vi estava dormindo na sala. Acordei tonto, e o resto da hist�ria � reboot, t� por a� na rede. No momento, ali�s, t� com uns eletrodos no peito gravando meus batimentos por 24 horas em uma ultrapassada fita cassete, pra ver se meu cora��o est� bem.
De repente, me apareceu um computador usado lindo e um cart�o de cr�dito com limite pr�-aprovado do tamanho do computador. Virou o giramundo, do qual n�o tenho como me arrepender. De repente de novo, mais uma graninha duramente ganha e guardada, e dei um trato no metam�vel. Freios ok, carbura��o ok. Faltou documento e limpador de p�ra-brisa, al�m de som e acabamentos. Mas t� segurando a onda.
N�o fiz tudo o que poderia no mapeamento dos pontos de cultura. O reboot mexeu comigo, deixou umas crises que hoje, depois do livro que o Dalton me deu, identifico um cruzamento entre tend�ncias DDA com um princ�pio de surtos de p�nico. Infelizmente, mudei a ponto de evitar sair � rua ou viajar, coisas que fazia sempre. Eu tinha o costume de caminhar pela rua � noite, de andar de trem pra chegar ao galp�o, de viajar de �nibus pra onde fosse. Hoje, tudo isso me incomoda. Tomar um �nibus pro centro me faz sofrer. Frescura, sim, entendo. Mas na hora que rola, n�o consigo evitar. Estou cuidando disso aos poucos.
E a�, gringos chegando. Primeiro, Geert, visitando o Brasil, sondando a possibilidade de um centro de m�dia com o Rosas. Depois, Ravi, grande cabe��o do Sarai, numa escala r�pida, querendo conhecer, conversar, interagir, se pans ficar. Preparando o terreno para a presen�a de Monica e Paul, que acabaram por vir durante a Submidialogia. Aqueles dias foram tamb�m intensos. Discuss�es profundas. Onde queremos chegar? Como vamos pra l�? Quem somos n�s? Quem pode entrar nesse esquema? Como isso vira pra todos? Como � que a gente faz aquele cara ali entender que ningu�m quer trampar com ele? Quais s�o os pr�ximos passos? Aprendi pra caramba com a Monica e Paul. Aprendi pra caramba com os colegas submidial�gicos.
Nos �ltimos dias, consegui vencer, ou consegui pelo menos um empate vantajoso, com o mundo acad�mico. Ganhei o direito de ter uma certifica��o de gradua��o seq�encial, de curso superior de curta dura��o. Isso me habilita a uma p�s lato-sensu, que � o que acho que vou engatar j� no primeiro semestre de 2006.
Thalita come�ando a trampar comigo, estruturando coisas que eu n�o conseguiria. Oficina Regional Cultura Digital SP, em Rio Claro. Viv�ncia profunda de alguns dias. E a ficha caiu. Do laborat�rio de conhecimentos livres do FSM, interven��es no Fisli, passando pela grande e exemplar oficina de conhecimentos livres de Teresina, at� as correntes oficinas regionais, houve uma progress�o evolutiva. O modelo cresceu, incremental. Eu mudei em outro ritmo. Em Rio Claro entendi que meu interesse n�o s�o todos os pontos - coisa que eu j� sabia - e nem a totalidade / profundidade de cada ponto. Eu quero agitar, com aquelas pessoas especiais naqueles pontos especiais, e dar subs�dios para que elas potencializem sua atua��o. S� criando links, s� orientando, s� gerando autonomia. Quero articular esporos de MetaReciclagem em todas elas. Quero agitar uma coordena��o de MetaReciclagem no projeto, no IPTI, no mundo. E, se n�o for demais, quero poder pagar as contas atrasadas e arrumar meu carrinho. Se sobrar um pouco, comprar mais mem�ria pro giramundo, que 128Mb s�o de reclamar (quase escrevi “de sofrer”, mas j� tive computadores bem mais lentos).
E as contas continuam. Passei nove meses recebendo uma bolsa razo�vel. Nada de exageros, mas seria suficiente para mim. A d�vida anterior me atrapalhou, a noite no hospital sem plano de sa�de me atrapalhou. Mas ser� que n�o comecei a gastar demais? Antes era tudo contadinho, regulado, aos poucos. Acho que perdi isso. Inclusive para os outros - antes n�o tinha folga pra ajudar a ningu�m, hoje � dif�cil pra mim dizer n�o. Existe a� um componente de culpa quase escondido, ou ser� generosidade mesmo?
Nenhuma resposta. Mas 2006 chega, e minha vida precisa de decis�es. Grana, tempo, perspectivas. O que eu vou fazer? Quanto tempo vou dedicar a minha vida pessoal, que �, no fundo, o mais importante? Como vou sobreviver? Chegou aquela �poca do ano de se questionar tudo.
vqv
Abra�os a todos.
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